Com alguma freqüência, tomo conhecimento de casos que revelam vícios arraigados à cultura dos brasileiros. Há algumas semanas, foram completados sete meses sem chuva em uma singela e pacata cidade do Nordeste, não me lembro agora de cabeça se situada no Maranhão ou no Piauí. Fiquei abismado com o recurso utilizado pelos moradores para tentar dirimir o grave problema, a saber, fazer uma novena, com todos aqueles rituais típicos. Um deles declarou que é o único recurso que possuem para matar a sede de dignidade. E eu digo que não, não é.
Essas pessoas resolveram sentar no comodismo da fé, e esperar com olhares resignados para o céu. Ainda estão na Idade Média, e acabaram por servir como atração exótica e melancólica em um noticiário, por mais irônico que isso pareça. Todos esses moradores não se dão ao trabalho de pensar que podem resolver o grave problema com as próprias mãos, e não somente levantá-las para o céu ditando sílabas e mais sílabas que tomam como sagradas.
Vejo na fala de muitos um discurso de vitória sobre o tempo, na medida em que boa parte das pessoas, ilusoriamente, se considera feliz ainda que entorpecidas em ignorância. O conhecimento se revela desperdício de esforço, desnecessário. Nada mais pernicioso.
Há uma inércia, uma falta de iniciativa, que é o espelho de grande parte dos que habitam em terras tupiniquins. Falta gana por mudança, uma insatisfação, um incomodo em ver que o caminho para alegrias está pouco iluminado. Mas para isso, o aprendizado se revela necessário. Em outras palavras, é preciso que criemos uma cultura de saber, uma vontade de conhecimento.
Os moradores desta cidade nordestina sequer pensam que está apenas ao alcance de suas próprias vontades melhorar a vida que levam, não enxergam que o caminho para alegrias pode ser muito melhor se contarem também consigo mesmos e não só com seus ídolos religiosos. O conhecimento nos permite mudar o mundo, vê-lo de maneira diferente, ver-nos de maneira diferente. Aprender suscita a reflexão. Passamos a questionar autoridades, a dispor de novas ferramentas, a buscar novos caminhos, e tudo o mais. A felicidade se torna, naturalmente, mais tangível.
5 comentários
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Novembro 15, 2008 às 12:35 pm
Luciana
eu ja tive essa ideia, mas quando vc chegar no final do curso de comunicação e ver que emprego so com QI ou dormindo com alguem vc vera que ter conhecimento nao é tudo, so parte.
Acredito sim que conhecimento muda, pq vemos a situação sob outro olhar e msm nao tendo os recursos, podemos conseguir outrasd formas de tentar resolver. Mas a fé nao pode ser desperdiçada, As vezes as coisas nao acontecem para nos (como percebi que para mim nao acontecia) pq nao colocava Deus em primeiro lugar. TUdo é para Gloria Dele.
Se eles oram a Deus pedindo agua, mostra que eles sabem que existe alguem que tudo sabe e os conhece, melhor que esperar de um governo que nem sabe de sua existiencia, ou entao, os ignora.
Novembro 15, 2008 às 1:50 pm
Alam
No nosso país questões que envolvem a fé ainda é bastante polêmica e controversa, por mais que haja um respeito pela diversidade é interessante notar que do aspecto sociológico o apelo que as pessoas fazem aos céus como última recurso é, talvéz, a única coisa que os motiva, o resto da esperança, não que isto seja ruim, mas tem hora que só a fé não dá!
Cabe lembrar que a fé sem ação é morta.
Muito bom seus textos a linguagem e os temas abordados são muito interessantes!
Novembro 21, 2008 às 6:41 am
Andre leite
tem que se fuderem. ficar parado esperando chuva??? parece que ninguem nunca ouviu falar em poço artesiano ou canais para escoar agua.
comer calango, rapadura e rezar para padre cicero nao adianta. tem que pegar pesado…bueno: a maioria dos parlamentares brasileiros sao nordestinos entao estao se fudendo por suas proprias maos.
Janeiro 4, 2009 às 9:03 pm
Sâmia
Você partiu de um fato interessante para fazer sua reflexão, Lemos, mas penso que as coisas não são tão simples assim. Afirmar que o comodismo, a preguiça e o conformismo fazem parte da cultura brasileira é simplificar por demais a questão. Assim você assume um discurso “Jeca-Tatu” e esquece a multiplicidade de hábitos da(s) culturas(s) brasileira(s).
Da mesma maneira que acha que o comodismo é arraigado no nosso pessoal, a religiosidade também tem raízes fortes aqui na cultura “tupiniquim”, como você mesmo denominou. Então, reunir-se por nove dias na casa do seu Zé, ou da D. Maria, pra rezar odes à Padre Cícero, é uma forma de resistência cultural contra o problema que lhes aflije. Pode, inclusive, ser um dos fatores que os motiva a seguir com sua dura labute diária.
Ademais, convenhamos: mudar a realidade deles não depende só deles. De maneira alguma. A indústria da seca no Nordeste conta com fatores bem mais influenciantes que rituais religiosos.
Janeiro 4, 2009 às 9:08 pm
Sâmia
“O conhecimento se revela desperdício de esforço, desnecessário. Nada mais pernicioso.”
Deixe de ser tão incisivo, Lemos. A mim, esta afirmação é exclusiva. Você parece valorizar aqui somente um tipo de conhecimento, em detrimento de outros tipos. Qual o conhecimento certo aqui? O científico? O técnico? Acaso a solução de todos os problemas deles passa por saber como construir um poço artesiano? Cada vez mais, ando mais convencida de que certos saberes populares são tão importantes, ou mais, que o conhecimento puramente científico e, quase que consequentemente, elitizado.
Os comentários aqui são somente reflexões, propiciadas pelo seu texto. É bom discutir idéias, Lemos. =)